Engenharia e sociedade – da importância do ensino de humanidades na engenharia

| 10/11/2017 |

 

São raros os espaços concedidos para discussão sobre o significado da função social dos engenheiros em um país com dimensões continentais, imensos problemas políticos e econômicos e uma sociedade marcada pela desigualdade. Nestes países, as suas atribuições vão além do tecnicismo e das demandas empresariais, e a reflexão sobre a relação da engenharia e o seu contexto social é uma demanda obrigatória.

Ou, pelos menos, deveria.

No Brasil, poucos grupos subsistem nesta área por meio do esforço obstinado de alguns professores na geração de subsídios teóricos e criação de espaços de discussão para reflexão deste tema fundamental na formação dos engenheiros.

O NEPET (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica), criado há 30 anos na Universidade Federal de Santa Catarina (http://www.nepet.ufsc.br) é um profícuo núcleo de geração de conhecimento e continuamente instiga os alunos de engenharia a despertar para a necessidade de formação de uma engenheiro reflexivo e consciente de sua responsabilidade social por meios dos estudos de CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Desta forma o professor Walter Bazzo defende o estudo do tema CTS: “Entender ciência e tecnologia como processos sociais que respondem em parte por valores e interesses externos e que têm um considerável interesse público pelas consequências que deles derivam é também, em qualquer país em que a palavra democracia goza de algum sentido, defender a renovação dos tradicionais conteúdos educativos e a transformação das atuais estruturas políticas. Só desse modo é possível promover uma gestão informada e participativa das mudanças científico–tecnológicas” (Bazzo, 1998).

Outro grupo fundamental na manutenção de discussões sobre as implicações sociais da tecnologia e da engenharia e a sua relação com o contexto social é o Centro Multidisciplinar de História da Ciência da Universidade de São Paulo (www.usp.br/chc), que sob a direção do professor Shozo Motoyama, durante mais de 30 anos promoveu intensos debates e a publicação de dezenas de livros. Há 10 anos, em uma chamada para um dos inúmeros seminários para a discussão do tema manifestava as suas preocupações com o avanço da cibernética: “É possível desenvolver um país – em especial o Brasil – em um mundo opressor e interligado como o dos dias de hoje? Como se livrar da prepotência das redes de internet espalhadas como tentáculos a esmagar qualquer movimento perturbador da ordem internacional estabelecida? Como fugir do avassalador domínio das tecnologias avançadas que impõe o toque de recolher aos excluídos da ciência? Como escapar ao rolo compressor das potências que não admitem outra lógica a não ser a sua? Esses são os desafios que se colocam para aqueles que aspiram a um mundo melhor, sobretudo, de um Brasil melhor. É necessário pensar no desenvolvimento – no sentido pleno da palavra – aproveitando-se das benesses da globalização e não ficar à mercê apenas de suas mazelas. E, nesse contexto, qual o papel da ciência e da tecnologia?” (Motoyama, 1995).

Na virada do milênio algumas escolas se dispuseram a discutir a “engenheiro do século XXI” tentando refletir as novas demandas da modernidade na sua grade curricular. Nesta época, um artigo em co-autoria do professor Gildo Magalhães e Renato Vargas, integrantes do grupo do CHC, diante da proposta de aprofundamento do conteúdo técnico que era aparente nas manifestações das escolas de engenharia no Brasil, marcavam a sua posição sobre os novos desafios para a formação dos engenheiros: “Não há dúvida de que a prosperidade da nação dependerá fortemente da capacidade de seus engenheiros conseguirem relacionar os conhecimentos técnicos com a compreensão da sociedade, bem como da política, economia e meio ambiente. A prática da engenharia requer a síntese e aplicação do conhecimento adquirido num grande número de campos técnicos e não-técnicos, todos num contexto de pressões sociais. Por este motivo, a crescente especialização técnica se opõe à natureza complexa e transdisciplinar de uma resolução satisfatória dos problemas que a engenharia contemporânea exige” (Magalhães, Vargas, 1999).

Passados quase 20 anos podemos afirmar que nada foi feito e houve, de fato, a consolidação de conteúdos refratários ao estudo das humanidades na engenharia ao mesmo tempo que a criação de escolas de engenharia particulares tomou uma escala exponencial. Na realidade, houve um retrocesso se lembrarmos que, por exemplo, a Escola Politécnica da USP já contou nos seus quadros docentes como os professores Milton Vargas e Villen Flusser, que ministravam disciplinas com conteúdo social e filosófico para os politécnicos (Vargas, 1994).

A atual crise político-econômica do Brasil é um produto da imaturidade e da frágil formação política e social de suas elites perdidas em seus interesses imediatistas. Neste momento, mais do que competência técnica, os órgãos de classe e as escolas de engenharia têm a responsabilidade pela formação de cidadãos conscientes de suas atribuições sociais e capacidade crítica para estabelecer respostas e encaminhar soluções. Somente com uma Engenharia consciente de sua função social e comprometida com a formação de engenheiros aptos como cidadãos poderemos entender as implicações de nossa efetiva participação no processo de desenvolvimento do país.

 

Por Renato Vargas

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